Por Joaquim Gama de Carvalho
Há um adjetivo que, uma vez utilizado no comentário a uma obra artística, deve perder sua convencional carga negativa. Trata-se da palavra estranho. Não são poucos os criadores que surpreendem e até mesmo conquistam o receptor ao utilizar elementos ou junções de elementos tidos como não convencionais. Na pintura, um Ensor; na música, um Ligeti; no teatro, um Ionescu.
Eis, então, que aparece este pequeno livro, Apátridas (Edições MAC/Feira, 2010), de Luciano Penelu. Os dois contos curtos que formam a publicação são exemplos de uma escolha. Percebemos que o jovem escritor tomou o mesmo rumo de muitos nomes de peso no cenário literário do século XX, como Kafka e Buzzatti. Também ele conta a vida numa perspectiva existencial, nestas suas estranhas histórias.
O primeiro conto, Enchente, é narrado pelo único personagem. Sozinho numa casa que é invadida por misteriosa e constante inundação, está sempre obrigado a pôr para fora a água imensa. O conto instaura no leitor moderno (pós-moderno, hiper-moderno?) estranha compaixão pelo infeliz personagem, provocada, muito provavelmente, por um incômodo sentimento de empatia.
Na segunda história, Peregrinação, tem-se a insólita viagem de alguns jovens. Seguindo o conselho de um ancião, decidem atravessar o deserto, pois buscam algo mais da vida. O episódio da penosa excursão é contado por um dos participantes. Os sentimentos que vão surgindo da andarilha convivência dotam o conto de angustiosa substância e significação.
Nos contos do escritor feirense, os homens comportam-se como quem atravessa uma alheia pátria sem fim. Movem-se contra o eixo da vida e de si mesmos. Não lhes basta o que têm e buscam o que não conhecem. Apesar de muito curtos, os contos de Apátridas conseguem injetar uma exasperação que nada tem de gratuita. Penelú não escreve suas histórias para deprimir quem as lê. Seus estranhos enredos, seu considerável apuro com a língua e seu arrojo formal põem-se a serviço de algo bem mais importante e profundo. Estetizando o sofrimento do homem contemporâneo, dá sua contribuição às necessárias investigações acerca da tragédia existencial que patenteia nossos dias.
Texto originalmente publicado no jornal Folha do Estado (www.folhadoestado.net).
Há um adjetivo que, uma vez utilizado no comentário a uma obra artística, deve perder sua convencional carga negativa. Trata-se da palavra estranho. Não são poucos os criadores que surpreendem e até mesmo conquistam o receptor ao utilizar elementos ou junções de elementos tidos como não convencionais. Na pintura, um Ensor; na música, um Ligeti; no teatro, um Ionescu.
Eis, então, que aparece este pequeno livro, Apátridas (Edições MAC/Feira, 2010), de Luciano Penelu. Os dois contos curtos que formam a publicação são exemplos de uma escolha. Percebemos que o jovem escritor tomou o mesmo rumo de muitos nomes de peso no cenário literário do século XX, como Kafka e Buzzatti. Também ele conta a vida numa perspectiva existencial, nestas suas estranhas histórias.
O primeiro conto, Enchente, é narrado pelo único personagem. Sozinho numa casa que é invadida por misteriosa e constante inundação, está sempre obrigado a pôr para fora a água imensa. O conto instaura no leitor moderno (pós-moderno, hiper-moderno?) estranha compaixão pelo infeliz personagem, provocada, muito provavelmente, por um incômodo sentimento de empatia.
Na segunda história, Peregrinação, tem-se a insólita viagem de alguns jovens. Seguindo o conselho de um ancião, decidem atravessar o deserto, pois buscam algo mais da vida. O episódio da penosa excursão é contado por um dos participantes. Os sentimentos que vão surgindo da andarilha convivência dotam o conto de angustiosa substância e significação.
Nos contos do escritor feirense, os homens comportam-se como quem atravessa uma alheia pátria sem fim. Movem-se contra o eixo da vida e de si mesmos. Não lhes basta o que têm e buscam o que não conhecem. Apesar de muito curtos, os contos de Apátridas conseguem injetar uma exasperação que nada tem de gratuita. Penelú não escreve suas histórias para deprimir quem as lê. Seus estranhos enredos, seu considerável apuro com a língua e seu arrojo formal põem-se a serviço de algo bem mais importante e profundo. Estetizando o sofrimento do homem contemporâneo, dá sua contribuição às necessárias investigações acerca da tragédia existencial que patenteia nossos dias.
Texto originalmente publicado no jornal Folha do Estado (www.folhadoestado.net).
"Há um adjetivo que, uma vez utilizado no comentário a uma obra artística, deve perder sua convencional carga negativa. Trata-se da palavra estranho." Concordo plenamente com Joaquim. O estranhamento numa obra artística é uma das características que mais me atrai. Os contos de Penelu são estranhos, sim, e por isso mesmo, tocantes. Parabéns, Joaquim, pela resenha. Parabéns Penelu, pelo Apátridas. Abraços.
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