Por Thiago Lins da Silva
Segundo o escritor Miguel Sanches Neto, publicar é o resultado natural de nossa convivência com os livros. Impelido pelo verbo literário, o autor iniciante empreende uma viagem por outras margens do ser, pondo os signos em constante (e tenso) movimento. Luciano Penelu e seu primeiro livro Apátridas (Edições MAC/Feira, 2010) nos proporcionam novas e estimulantes margens.
Composto por apenas dois breves contos, Apátridas faz parte de um novo selo que potencialmente tem dado visibilidade para autores residentes em Feira de Santana, a Coleção Nova Letra. O que vale aqui não é a quantidade, mas sim a qualidade imprimida nos textos, amostras do potencial de cada autor. E Luciano Penelu cumpre com sobras tal potencial, ao nos brindar com dois singelos e significativos textos, cada qual figurando como acorde dissonante de uma pena que se faz desregrada.
O primeiro conto, "Enchente", aponta direções ingratas para a empreitada humana, um mar escuro que sempre nos enche e nos imobiliza. As primeiras linhas do texto deixam claro o tom desconcertante do relato: Em todas as direções vejo apenas o mar escuro. Às vezes penso que a enchente já consumiu o mundo inteiro. Resta-nos um universo sem muitos horizontes, onde não vemos "nada além das águas escuras deste oceano". Bela nota estóica que salienta um lugar “onde tudo parece irremediável”; alegoria dos dias e noites que não perduram, um céu que “permanece sempre alaranjado como num crepúsculo”.
"Peregrinação", o segundo conto, é um achado. O deserto representado nas páginas do texto é um espelho tortuoso desta vida sem eira nem beira que vivemos, onde nos querem sempre na engrenagem cotidiana. Mesmo sob “protestos exacerbados de nossos pais”, os viajantes abraçam uma jornada pelos mistérios da vida; no entanto, logo encerrada, quando se deparam com um espaço despido de qualquer misticismo ou promessa, só o caminhar modorrento para lugar nenhum, sozinhos, desamparados e afastados uns dos outros. O ancião que indicara o caminho para os jovens agora não deve “passar de um amontoado de ossos numa cova imunda, ele e sua sabedoria”. Mas como Sísifo, (nota-se a forte presença camusiana no conto) "é preciso continuar", a subir e rolar com pedras, ainda que enfastiados.
O formato caseiro e artesanal de Apátridas contribui para dar o tom intimista dos contos, desenraizados de qualquer pátria; narrativas em que o insólito aparece com força surpreendente, à margem das leis aristotélicas e de nossa mente racional. Conforme assinala a epígrafe de Guimarães Rosa (“A colheita é comum, mas o capinar é sozinho”), Luciano Penelu detém plenas condições de ser um capinador nato. Fartura generosa que deixa entrevista a calorosa e insólita prosa do autor.
Thiago Lins da Silva é professor e mestrando em Literatura e Diversidade Cultural pela UEFS.
Segundo o escritor Miguel Sanches Neto, publicar é o resultado natural de nossa convivência com os livros. Impelido pelo verbo literário, o autor iniciante empreende uma viagem por outras margens do ser, pondo os signos em constante (e tenso) movimento. Luciano Penelu e seu primeiro livro Apátridas (Edições MAC/Feira, 2010) nos proporcionam novas e estimulantes margens.
Composto por apenas dois breves contos, Apátridas faz parte de um novo selo que potencialmente tem dado visibilidade para autores residentes em Feira de Santana, a Coleção Nova Letra. O que vale aqui não é a quantidade, mas sim a qualidade imprimida nos textos, amostras do potencial de cada autor. E Luciano Penelu cumpre com sobras tal potencial, ao nos brindar com dois singelos e significativos textos, cada qual figurando como acorde dissonante de uma pena que se faz desregrada.
O primeiro conto, "Enchente", aponta direções ingratas para a empreitada humana, um mar escuro que sempre nos enche e nos imobiliza. As primeiras linhas do texto deixam claro o tom desconcertante do relato: Em todas as direções vejo apenas o mar escuro. Às vezes penso que a enchente já consumiu o mundo inteiro. Resta-nos um universo sem muitos horizontes, onde não vemos "nada além das águas escuras deste oceano". Bela nota estóica que salienta um lugar “onde tudo parece irremediável”; alegoria dos dias e noites que não perduram, um céu que “permanece sempre alaranjado como num crepúsculo”.
"Peregrinação", o segundo conto, é um achado. O deserto representado nas páginas do texto é um espelho tortuoso desta vida sem eira nem beira que vivemos, onde nos querem sempre na engrenagem cotidiana. Mesmo sob “protestos exacerbados de nossos pais”, os viajantes abraçam uma jornada pelos mistérios da vida; no entanto, logo encerrada, quando se deparam com um espaço despido de qualquer misticismo ou promessa, só o caminhar modorrento para lugar nenhum, sozinhos, desamparados e afastados uns dos outros. O ancião que indicara o caminho para os jovens agora não deve “passar de um amontoado de ossos numa cova imunda, ele e sua sabedoria”. Mas como Sísifo, (nota-se a forte presença camusiana no conto) "é preciso continuar", a subir e rolar com pedras, ainda que enfastiados.
O formato caseiro e artesanal de Apátridas contribui para dar o tom intimista dos contos, desenraizados de qualquer pátria; narrativas em que o insólito aparece com força surpreendente, à margem das leis aristotélicas e de nossa mente racional. Conforme assinala a epígrafe de Guimarães Rosa (“A colheita é comum, mas o capinar é sozinho”), Luciano Penelu detém plenas condições de ser um capinador nato. Fartura generosa que deixa entrevista a calorosa e insólita prosa do autor.
Thiago Lins da Silva é professor e mestrando em Literatura e Diversidade Cultural pela UEFS.
Parabéns pela resenha, Thiago. O Penelu mostrou que sabe escrever literatura, que sabe tocar naquilo que temos de mais humano. Os seus contos nos oferece uma atmosfera insólita, fantástica, existencial mesmo. E algo bacana: um conto se passa em meio a inundação; o outro, em meio ao deserto, à falta de água; contrários que expressam as mesmas sensações. E, no fim, o que nos resta é mesmo continuar. Abraços.
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