domingo, 2 de janeiro de 2011

Dois poemas do livro Conta Corrente - Ederval Fernandes

Ilustração: Tâmara Lyra

EM FEIRA DE SANTANA


Quero em Feira de Santana
ser o filete
de sangue e sol
no hálito dos pardais

de manhã,
às cinco da manhã
misturar-me
ao grosso veludo
verde da mangueira
no meu antigo
quintal, no Feira 6.

Quero
reconhecer
as cores da água,
os tons de cinza
da alma,

quero muito
desvendar
por que não vôo,
por que não presta
meu poema,

e meu torpor
dentro
do Cidade Nova
/CIS
às seis e meia
cruzando
a praça do Tomba

(e se penso
em morrer,
é ridículo?).

Quero em Feira
andar por suas ruas,
sentir incerto
como um coração
dentro do tórax
da cidade, a beleza
desta arquitetura
oculta aos olhos,
aberta às almas.

Quero daqui
negar Nietzsche
(não posso?),
sentar no sofá de casa,
não ligar a tevê
e dizer a Cristo
“estamos fodidos,
você foi mal entendido”.

Quero em Feira
cantar o meu poema
e ser ridículo!

E fremir!

E assomar à carne
no ritmo dos deuses
amando com sede
na rua
no meio da noite
ávida: alcoólica.

Quero a redenção,
quero o gol do herói
engolindo
o mundo.

Quero confrontar
a ordem das coisas
que em mim
alarma
como uma tarde vazia,
danada de tédio.

Quero em Feira de Santana
acreditar em Deus
e me equivocar.

Quero desacreditar
em Deus
e me equivocar.


Feira, 2009



***


CIDADE NOVA/CIS
para tio remi


Às seis e meia
da noite
quando o ônibus
Cidade Nova
/Cis
cruza a praça
do Tomba,

vejo
três enigmas
em pé
conversando
entre si

e muitos
outros enigmas
sentados,
em silêncio,

digerindo
lembranças.
Às seis e meia
da noite
no ônibus,

Eu (um
enigma)
desejo morrer.

Sem chance,
não posso,
penso:

minha morte
não trará
resposta alguma,
fará apenas
outros
tão ou mais
enigmas
chorarem.


Feira, 2009



Os dois poemas foram retirados do livro Conta Corrente, título inaugural da Coleção Nova Letra, Edições-MAC. Adquira este e mais outros livros pelo e-mail: macnovaletra@gmail.com

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