segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

À Espera (Thiago de Freitas)

Ilustração: Tâmara Lyra


Chegara ali há alguns minutos. Como todos os outros, sentados em fileiras a esperar por alguém, Bidê se encontrava prostrado. O tempo caminhava a lentos passos para aqueles que ali estavam em silêncio, cabisbaixos.

O salão em reforma, com a sinfonia desafinada das ferramentas, paredes ainda mal rebocadas e chão batido, se fazia pequeno. Não que o fosse, mas a quantidade de pessoas à espera crescia de tal maneira ao ponto de tornar impossível a entrada de mais alguém. De tão cheio, a saída também se tornara impraticável.

Apesar do silêncio, ninguém se fazia ouvir, por mais que tentasse. A atenção geral se voltava pra outra coisa. Bidê não sabia dizer pra quê. Tinha sido um dos últimos chegar. Quando passou em frente, se espantou com o ajuntamento que ali havia. Talvez por isso tenha se aproximado, por curiosidade. Ao se acomodar como pode, trocou alguns olhares. Logo lançou uma pergunta no ar, esperando que alguém oferecesse resposta:

— O que há, hein?

Nenhuma reação. Ninguém. Bidê perguntou outra vez, agora mirando o alvo:

— Senhor, o que há aqui?

—Não sei.

Então o velho não sabia suas próprias razões? Bidê insistia.

—Já não disse que não sei? Mandaram eu vir. Estou esperando. E você, garoto?

Bidê, lá em suas curtas palavras, disse que entrara por ter visto tanta gente amontoada num lugar que, como sabia, estava fechado há muito tempo para reformas. Afinal o que poderia ter ajuntado toda aquela gente? Bidê se perguntava.

Desocupado, decidiu esperar também. Ainda que não tivesse razão para estar ali, aguardando. Mas poderia ser entrevista de emprego, quem sabe. E como ele queria ter uma ocupação. Já não aguentava mais ser ralhado por vadiagem. E poderia também ser doação de roupas, de comida ou qualquer outra coisa de serventia. Bidê decidiu aguardar.

Aos poucos viu que as pessoas, entorpecidas, ora mexiam num celular, ora ouviam desatentamente um radinho ou simplesmente observavam os homens da construção. Ninguém questionava a demora. Um cheiro de mijo se espalhou pelo ar.

Passado algum tempo mais, de um andar acima, ouviu-se uma voz de mulher, que dizia:

— Manda subir, Cândido!

E Cândido, muito bem arrumado, todo de branco, impecável, desceu as escadas e chamou o primeiro da fila. Como muitos, já deveria estar ali há horas, talvez dias. O homem levantou e, sem pressa, subiu os degraus. Sumia no patamar.

Aquilo era sinal de que as coisas começavam a se resolver. Bidê se inquietou, na esperança de que mesmo ele, retardatário, seria atendido. No entanto, sem a esperada volta do senhor que subira, Bidê conduziu as primeiras agitações, com burburinhos de que o povo estaria sendo enganado. Alertou aos mais próximos, como se adivinho fosse, que iriam atender no máximo algumas pessoas e o resto que voltasse amanhã. Que esperassem pra ver. Mais alguns minutos e Cândido retornou com a desfavorável mensagem:

— A doutora manda avisar que vai atender mais seis pessoas. Disse que liga amanhã pra agendar outra visita. — Dito isto deu as costas e voltou a subir os degraus.

Depois de tanta espera, agora mais essa. A questão se resolvia em nada. Uma única moça enfurecida, rumou para o andar de cima, mesmo sem ter sido convidada. Sem ordem nem nada, se atreveu a quebrar a barreira, sem dizer uma palavra sequer. Alguns longos minutos. Nada. Ainda esperavam, como se esperar fosse a única solução para o impasse.

Bidê, que a princípio nada tinha que ver com o caso, no entanto sensibilizado com a condição geral, disse bem alto:

— Vamos subir, minha gente! Não podemos esperar pra sempre.

O grito de Bidê parece ter despertado os apáticos aspirantes de um profundo sono. Todos juntos, agora enfurecidos, subiram as escadas numa marcha arrastada.

Já no andar de cima não se viu nada. Nem uma mesa de escritório, um telefone, nem uma mulher, nem Cândido. Nada. Só quatro paredes sujas.


O conto "À Espera" foi retirado do livro homônimo, Coleção Nova Letra, Edições-MAC. Adquira este e mais outros livros pelo e-mail: macnovaletra@gmail.com

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